outubro 04, 2011

Camilo Pessanha, o Poeta...

Nas aulas de ontem e de hoje, quando apresentei um quadro cronológico da literatura portuguesa, para situarmos, devidamente, no tempo e na história, o padre António Vieira, referi, já no final do século XIX, aquele que eu considero um dos grandes poetas da nossa literatura, pouco lido, Camilo Pessanha. O poeta do vago Oriente, das palavras cifradas, subtis, sonoras, simbólicas...

Lembro-me sempre do que ouvi a Eugénio de Andrade, confidenciando-me a sua admiração pelo poeta, ouvindo-o recitar de cor: Floriram por engano as rosas bravas, para ele um dos mais belos poemas de língua portuguesa.

E, curiosamente, hoje mesmo, ao fim da tarde, uma antiga aluna que, agora, é professora na escola, perguntava-me se ainda se mantinha o meu gosto por Camilo Pessanha. Achei extraordinária a coincidência, ela lembrava-se! Há mais de 10 anos!

Por isso, já que vem a propósito, transcrevo  um dos seus poemas, ao acaso, na grafia original. Já agora, pretexto para refletirmos, também, sobre as alterações impostas pelo novo AO.
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Ao longe os barcos de flores

Só, incessante, um som de flauta chora,
Viuva, gracil, na escuridão tranquilla,
- Perdida voz que de entre as mais se exila,
- Festões de som dissimulando a hora

Na orgia, ao longe, que em clarões scintilla
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viuva, gracil, na esuridão tranquilla.


E a orchestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detem. Só modulada trila
A flauta flebil... Quem há-de remil-a?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...

Camilo Pessanha (1867-1926)

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