Os excertos do Sermão estão em itálico e foram retirados da III Parte, Confirmação.
O padre
António Vieira louva as "virtudes" dos peixes como alegoria dos
"defeitos" dos homens, isto é, para fazer uma crítica social
muito violenta.
---Mas
para que da admiração de uma tão grande virtude vossa, passemos ao louvor ou
inveja de outra não menor, admirável é igualmente a qualidade daquele outro
peixezinho, a que os latinos chamaram torpedo. Ambos estes peixes conhecemos cá
mais de fama que de vista; mas isto têm as virtudes grandes, que quanto são
maiores, mais se escondem.
.Este período inicia-se com um conector de discurso, conjunção adversativa, «mas», para estabelecer uma oposição de sentido com o que escreveu anteriormente. Neste caso, refere-se ao torpedo, começando por fazer uma descrição, principalmente do seu "comportamento": o diminutivo peixezinho para enfatizar o pequeno porte do animal e para daí resultar mais óbvio o "poder" das suas "virtudes". Por outro lado, a insinuação irónica, resultante da aparente antítese de que quem maior é e quem mais virtude tem, menos precisa de se mostrar: «têm as virtudes grandes, que quanto são maiores, mais se escondem.», numa clara alusão à arrogância dos homens que procedem de maneira oposta. Além disso, uma referência precisa à realidade, através do advérbio de lugar «cá», para completar a descrição do peixe: é pouco conhecido «cá», no Brasil, onde o Padre se encontra a pregar este Sermão.
.Este período inicia-se com um conector de discurso, conjunção adversativa, «mas», para estabelecer uma oposição de sentido com o que escreveu anteriormente. Neste caso, refere-se ao torpedo, começando por fazer uma descrição, principalmente do seu "comportamento": o diminutivo peixezinho para enfatizar o pequeno porte do animal e para daí resultar mais óbvio o "poder" das suas "virtudes". Por outro lado, a insinuação irónica, resultante da aparente antítese de que quem maior é e quem mais virtude tem, menos precisa de se mostrar: «têm as virtudes grandes, que quanto são maiores, mais se escondem.», numa clara alusão à arrogância dos homens que procedem de maneira oposta. Além disso, uma referência precisa à realidade, através do advérbio de lugar «cá», para completar a descrição do peixe: é pouco conhecido «cá», no Brasil, onde o Padre se encontra a pregar este Sermão.
---Está o
pescador com a cana na mão, o anzol no fundo e a boia sobre a água, e em lhe
picando na isca o torpedo começa a lhe tremer o braço. Pode haver maior, mais
breve e mais admirável efeito? De maneira que, num momento, passa a virtude do
peixezinho, da boca ao anzol, do anzol à linha, da linha à cana e da cana ao
braço do pescador.
Veja-se a
gradação usada para descrever o efeito de choque elétrico
produzido pelo peixe: « da boca ao anzol, do anzol à linha,....» Também a
enumeração e o assíndeto, com o uso sucessivo
das vírgulas. E é a resposta à interrogação retórica enunciada
antes, interrogação que, através da adjectivação utilizada:
«maior, mais breve e mais admirável», tornava a resposta óbvia (também uma
gradação).
Para se referir ao choque elétrico,
utiliza a metáfora «virtude», porque é nesse sentido que o
padre vai usar a sua argumentação, para
persuadir o seu auditório.
---Com
muita razão disse que este vosso louvor o havia de referir com inveja. Quem dera
aos pescadores do nosso elemento, ou quem lhes pusera esta qualidade tremente,
em tudo o que pescam na terra! Muito pescam, mas não me espanto do muito; o que
me espanta é que pesquem tanto e que tremam tão pouco. Tanto pescar e tão pouco
tremer!
E aqui está a
conclusão das premissas com que
argumenta a favor da sua tese: os«pescadores
do nosso elemento», isto é, da terra, e não do elemento água, "pescam muito e
tremem pouco". Repare-se, então, na alegoria,
através de várias metáforas: pescador que
pesca--»homens que roubam; e pouco tremem, isto é, não têm problemas de
consciência. Conclui este período com uma frase exclamativa
breve, sem verbo, para a tornar mais incisiva, e que contribui
para conferir um ritmo mais vivo e expressivo ao sentimento de
indignação que pretende comunicar a quem o escuta. Também o uso da
antítese, através do uso dos advérbios de
quantidade," tanto/ tão pouco".
---Pudera-se
fazer problema; onde há mais pescadores e mais modos e traças de pescar, se no
mar ou na terra? E é certo que na terra. Não quero discorrer por eles, ainda que
fora grande consolação para os peixes; baste fazer a comparação com a cana, pois
é o instrumento do nosso caso. No mar, pescam as canas, na terra, as varas, (e
tanta sorte de varas); pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões
e até os cetros pescam, e pescam mais que todos, porque pescam cidades e reinos
inteiros. Pois é possível que, pescando os homens cousas de tanto peso,
lhes não trema a mão e o braço?! Se eu pregara aos homens e tivera a língua de
Santo António, eu os fizera tremer.
Agora usa a
expansão/ amplificação da argumentação, para
demonstrar a sua tese e persuadir o auditório:
«Pudera-se
fazer problema.........?», terminando com uma interrogação,
cuja resposta aqui é explicitada, porque pressupõe a seleção de uma de duas
hipóteses: mar ou terra
(disjuntiva).
E
enumera, então, "torrencialmente", os
exemplos, as "provas", de que a sua tese é verdadeira, usando
a anáfora para a tornar mais convincente (repetição
do verbo "pescam", num presente
"histórico", para demonstrar que este comportamento é de todos os
tempos). O ritmo da frase é binário, isto é verbo/
substantivo ( pescam- bastões, etc), usando, também, o
assíndeto e gradação que culmina com a
conclusão apoteótica: «pescam cidades e reinos inteiros». Todo
este excerto é claramente alegórico, simbolizando o
roubo e a conquista sem escrúpulos a que os homens se dedicavam (também
os portugueses...), principalmente os mais poderosos, os que deviam dar exemplo
de virtude, como era o caso dos senhores da Igreja e da Justiça: a
crítica social é o objetivo único deste
Sermão.
Finalmente, a
referência habitual a santo António, que lhe inspirou este
Sermão: a «língua» do santo faria «tremer» estes homens, isto é, a sua palavra
faria com que as consciências despertassem.
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